A verdadeira história

O último dia do interminável mês de agosto foi marcado por um evento histórico: a queda da presidente do Brasil Dilma Rousseff. O que vivenciamos nesse obelisco político é a história sendo escrita, mas sem a percepção ou a visão adequada do que realmente está acontecendo.

Quando moleque, sempre imaginei como eram os eventos históricos aos olhos dos antigos e mais rodados, como meus pais, por exemplo. A morte de Ayrton Senna, a queda do Collor, o começo e o fim da ditadura; eventos marcantes, que fazem parte da herança do Brasil.

No dia 31/08 de 2016, percebi que a história passou, mas sem chamar a atenção que outrora imaginara. Tudo muito rápido, simplório. A cobertura do caso foi adequada, a imprensa toda lá, presente e atuante, mas o sistema e o cotidiano em que vivemos ‘bloquearam’ quase que totalmente o acesso à história. Como? Simples.

Grande parte da população brasileira, classe assalariada e trabalhadora, estava em serviço, quando em casa com a família, filhos e parentes, preocupando-se mais com os problemas internos que os políticos/externos. Alguns ainda foram para a faculdade, em pleno discurso do novo presidente do país. Não houve tempo para digerir ou debater, mentes vazias pensando apenas em chegar em casa, jantar e descansar para, de novo, seguir firme e forte  em mais um dia nessa mesma rotina. Possivelmente, grande parte dos eleitores da Dilma sequer está abalada com o dito “golpe”. Por quê? Porque a história passou, não percebemos. Quem sou eu para cobrar uma ação efetiva de uma eleitora da Dilma que está em casa, cuidando dos quatro filhos, ganhando uma miséria por mês. Não sou ninguém. Não somos ninguém. Somos números. Números não enxergam a verdade. Enquanto estatística, nosso papel é fazer contas, apenas. Nada de tentar escrever ou argumentar. Faça as contas.

O cotidiano nos cega, a rotina nos cala. Ler jornal? Que jornal? Tenho que trabalhar, pegar meu ônibus quase sempre lotado, voltar para casa exausto, à beira do colapso físico e mental. Assistir o telejornal de manhã? Mais para ver se há trânsito do que de fato se informar. Essa mesma rotina nos tira a percepção da realidade. A história que sempre imaginei quando criança passou, e nem digeri. Culpa minha ou do modelo de vida que sou levado a seguir? Não há tempo para informação, para dissecar. Estamos alienados, preso a um sistema. Um tanto quanto clichê, não? Mas a realidade é assim, tão óbvia que nem ao menos nos damos o trabalho de questionar. Torna-se comum.

Daqui a 20, 30 anos, perguntarão onde eu estava quando a Dilma foi deposta, o que eu fiz, como reagi. A resposta é, infelizmente, a mesma dos meus pais em outros acontecimentos: “Estava trabalhando”. Não saberei dimensionar, agora, o tamanho desse acontecimento. Só daqui a alguns anos. Fruto da falta de discernimento oriunda do universo onírico pregado pela vida. “Trabalhe, estude, namore, case, morra”.   

Não, eu sei muito bem as razões pela qual a Dilma saiu. Sim, a meu ver houve um golpe. Não, não gosto da então presidente do Brasil. Não, não votei nela. Mas eu tenho total e plena consciência que sou, talvez, uma pequena exceção, ainda sim insuficiente para entender que a história passou, e não percebi.

Esse processo de alienação tem relação intrínseca com nossa rotina. Não há quem culpar. Estamos presos, fadados. Resta-nos aguardar o próximo marco, apenas isso. Provavelmente estarei no trabalho; em casa, ocupado, pensando em tudo, mas cego à realidade.


Gustavo Azeituno